Um Oceano Delas | #6. Oportunidade (e poesia) se cria
OPORTUNIDADE (E POESIA) SE CRIA
Janeiro é o mês em que tudo parece possível. Achar um ritmo de trabalho menos estressante, voltar pra academia em busca de mais saúde, estudar pro concurso que vai garantir o boi na sombra pelo resto da existência, comprar um terreninho na Bahia. Tudo pode no mundo das ideias - e, na verdade, o que seria a imaginação além de mãe da realidade? Desejo, substantivo humano.
Um dia notamos uma vontade chegando de mansinho. E, se fizermos os movimentos certos, veremos ali na frente aquele sonho ganhar corpo. Foi assim com Um Oceano Delas, com a Fernanda Torres premiada com um Globo de Ouro em Hollywood, e também foi desse jeitinho com a Nina Rizzi, que entrevistamos pro episódio #6 do podcast - clica aqui pra escutar! Nina cresceu no interior paulista e precisou criar muitas oportunidades pra si mesma até conquistar seu espaço no mercado literário.
E, por falar em mercado, conversamos nessa edição com a editora Mariana Warth, da Pallas, que lançará um livro de poesia da Nina esse ano. Na Maré Alta, indicamos três títulos que surfam nas ondas poéticas: um sobre prazeres pretos, outro sobre a experiência da maternidade e uma coletânea de poetas negras americanas do século XIX. Destacamos um livro infantil sobre a preciosidade dos encontros no Peixe Dentro d’Água e encaixamos três notinhas no binóculo do Terra à Vista.
Que saibamos criar as melhores oportunidades pra nós neste 2025! Axé!
Por Monica Ramalho
O papo da quinzena é com a carioca Mariana Warth, uma das editoras de Nina Rizzi e terceira geração da Pallas Editora, que completa meio século neste 2025.
1. Mari, como você se prepara para ser a próxima diretora da Pallas Editora, fundada pelo seu avô e sócios em 1975?
Acho que esse preparo é algo natural. Vem do dia a dia do trabalho, da troca, do convívio. Há muitos aspectos da administração de uma empresa que só a experiência cotidiana pode nos ensinar.
2. A sua irmã escolheu ser diretora de novelas e filmes. Como e quando você decidiu que seguiria os passos da sua mãe, Cristina, atualmente à frente dos negócios da família?
Bem, eu me formei em jornalismo e, no percurso da minha formação, a questão da edição do texto e de livros já era presente. Pedi pra experimentar o trabalho na editora e, a princípio, acho que a ideia de trabalhar em família foi algo que causou algum medo na minha mãe. A gente sempre se deu bem, mas trabalhar junto é outra dinâmica. Felizmente, tudo fluiu muito bem e esse medo desapareceu. E o trabalho editorial é meio cachaça… Então, mesmo eu já tendo trabalhado com música, trabalhar com livros também é ingressar num universo apaixonante.
3. Você parece ser uma editora muito conectada com os seus autores. Como vê este ofício de transformar uma história em livro?
A conexão com os autores pode trazer também um intercâmbio de ideias dos dois lados. Compartilhar minhas ideias editoriais com um artista da palavra é também provocá-lo a produzir. E eu também sou provocada pelos autores com quem tenho mais intimidade. Essas trocas também viram lindos livros!
4. Quais são os critérios de escolha das tramas que quer publicar?
Qualidade do texto. Se te prende, se é bem escrito, se te surpreende…
5. Para além da literatura, quais outros assuntos tocam o seu coração?
Música, sempre a música… Meu filho pode entrar na lista?
6. E o que podemos esperar dos livros da Nina Rizzi que estão para sair pela sua editora?
A Nina é um furacão em forma de mulher. Agradeço sempre a Stephanie Borges que nos botou em contato e daí rolou um amor à primeira vista! Nina, além de incrível tradutora, é uma escritora que ainda vai conquistar um mundo maior. Sinto muita felicidade em publicar um livro dela, um rasgo de leitura que nos deixa atordoados. Um tapa necessário, uma sacudida. Texto assim é bom. A vida não é feita de singelezas. A Nina evidencia que o que somos hoje é fruto dos nossos ancestrais e também da responsabilidade que temos com o próximo. Eu amo essa mulher!
UMA ODE AO PRAZER FEMININO E À DIVERSIDADE
Por Melina Fontes
Em “Pretos prazeres e outros ais” (Pallas Editora), Odailta Alves escala o prazer como personagem principal dessa obra repleta de minicontos centrados em mulheres negras. “É muito axé, muito tambor, muito cheiro de fruta, leite-moça, vinho e chocolate”, resume Cida Pedrosa no prefácio. Pernambucana, lésbica, professora, atriz, negra e ativista dos direitos humanos, Odailta mostra no livro, de modo delicioso e apimentado, um punhado de gente amando e gozando como bem entende.
Odailta rompe com a ideia de pessoas pretas associadas à discriminação e a dor nesses mais de 70 textos. Em vez disso, reafirma em cada linha que elas querem, sabem, podem e devem receber e promover afeto e prazer. É impressionante como o gozo feminino é, ainda hoje, revolucionário nessa sociedade controversa em que vivemos.
Os contos abordam também a interseccionalidade, lembrando que uma pessoa negra não é só uma pessoa preta ou parda. Ela é muito mais! Traz diversas outras características e, portanto, pode carregar outras marcas sociais (como, por exemplo, serem idosas, homo ou transexuais e ter deficiência), sempre numa perspectiva de tesão e prazer, jamais de angústia. Que o livro inspire muita gente por aí!
HUMOR NAS ENTRELINHAS DA MATERNIDADE
Por Monica Ramalho
O diminuto “A mãe desse livro não sou eu” (Funilaria, 2024), da carioca Ana Carolina Sauwen, pode ser lido como se fosse uma esquete teatral de 27 atos - no caso, poemas autobiográficos - sobre as alegres desventuras da maternidade. A autora é atriz e palhaça e quem já a viu em cena ou acompanha as suas redes sociais, só de ler o seu nome na capa, já sabe que vai encontrar bom humor nas entrelinhas do pensamento por mais crítico que seja.
Ana costurou esses versos logo nos primeiros meses após a chegada de Vicente, a sua estreia no palco das fraldas. E se, numa página, o filho vira o grande monstro que tudo engole, inclusive as paredes da casa, na outra ela é capaz de arrancá-lo intacto da boca de um jacaré se preciso for. A criança é festejada como uma “presença amorosa e solar” para, em seguida, a pata do seu dinossauro de brinquedo esmagar sem piedade a solidão dessa mãe, que ama demais o filho, mas se vê presa no assombro que é a maternidade. E é bonito ver que, junto com o filho, nasceu a escritora.
“Como estaria a vida agora / se ele não existisse? / o que eu faria desse domingo à noite / se eu pudesse escolher? / perguntas que parecem um crime”: Ana joga pro alto e grita fogo. Em outro poema, ela não poupa o leite materno. Diz que mancha a roupa e cheira mal: “sobre isso ninguém fala / é que certas coisas / não devem ser ditas / sequer pensadas". Ana foi além e registrou os mais controversos sentimentos sobre aquele que é considerado o maior amor do mundo. Já eu, bem… Fico feliz aqui com os meus gatos.
MERGULHO POÉTICO NA ANCESTRALIDADE NEGRA
Por Julia Casotti
Com organização da editora, tradutora e poeta Lubi Prates, o livro “Você lembrará seus nomes” (Bazar do Tempo, 2024) apresenta a antologia de poetas negras norte-americanas que marcaram a produção artística do século XX. E é justamente um time incrível com 13 tradutoras mulheres e negras que apresentam essa história. Nina Rizzi, claro, está entre os nomes. Foi durante esse trabalho que ela se apaixonou por Wanda Colleman, e sugeriu para a Pallas publicar um livro da autora, que chega ainda este ano nas livrarias.
A obra mergulha na ancestralidade dos movimentos da cultura negra dos Estados Unidos, como o Black Arts Movement e Black Power, ambos representados muito bem com os poemas de Lucile Clifton, Nikki Giovanni e Pat Parker.
O especial desse livro, lindamente ilustrado por Mayara Ferrão, é conseguir reunir nomes amplamente conhecidos, como Maya Angelou, bell hooks, Audre Lorde e Alice Walker, ao mesmo tempo em que apresenta jóias pouco exploradas no meio literário. Como é o caso das pioneiras Angelina Grimké, Gwendolyn Bennet e Gwendolyn Brooks. Definitivamente, agora, você também vai lembrar esses nomes.
GIZ DE CERA, CORES E GEOMETRIAS PRA 2025
Por Julia Casotti
Escrito por Chiara Ramos e Lívia Sant'Anna, “Abayomi, o reluzir dos encontros preciosos” (Yellowfante, 2024) é ilustrado com magia pela mineira Bárbara Quintino. Ao longo das 32 páginas impressas em papel Couchê, o leitor se depara com um design editorial de tirar o fôlego. Vívido, com ilustrações expressivas em giz de cera, repletas de cores e geometrias, a história se passa em um poderoso clã de guerreiras ashantis, localizado no coração da África Ocidental.
Sete irmãs são confrontadas com um desafio que parecia irrealizável: transformar novelos de seda em ouro. E, para cumprir a missão, deveriam driblar as desavenças e descobrir juntas. Caso não fossem capazes, afetariam a vida de todo um povoado. O conto infantojuvenil é uma história com ensinamentos atemporais sobre sabedoria ancestral e o poder da filosofia Ubuntu: "Nós somos porque fomos! Nós somos porque seremos! Eu sou porque nós somos e assim resistiremos".
Esse projeto gráfico precioso em torno da união e o amor em família coloriu o nosso dia por aqui. Um belo presente pra começar 2025.
Fernanda Torres abriu o ano ganhando o Globo de Ouro por dar vida à Eunice Paiva nos cinemas. “Ainda estou aqui” é uma adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva que saiu pela Alfaguara em 2015 sobre a história da sua família, com protagonismo da mãe, viúva do deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura. Fernanda é autora de “Fim” (2013), "Sete anos” (2014) e “A glória e seu cortejo de horrores” (2017), todos publicados pela Companhia das Letras. Leia na imprensa mundial ou no G1.
O Brasil realiza todo ano 320 eventos literários, entre feiras, bienais, festas e saraus. Neste 2025, com o Rio de Janeiro posando bem na foto como Capital Mundial do Livro, um dos destaques será a Bienal do Livro Rio, que reunirá centenas de autores em dezenas de painéis no Riocentro entre os dias 13 e 22 de junho. Saiba quais eventos já têm data marcada no PublishNews.
A notícia é do ano passado, mas vale refrescar a memória pois a obra inédita está prevista para março. “A contagem dos sonhos”, o quarto romance e oitavo livro de Chimamanda Ngozi Adichie, será lançado ao mesmo tempo no Brasil, nos Estados Unidos, no Canadá e na Inglaterra. A tradução é de Julia Romeu e o livro, o primeiro desde o épico “Americanah”, sairá pela Companhia das Letras.
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